Foto: JoĂŁo Augusto
Quando um homem chega ao mundo já recebe várias obrigações, mas uma impera: ser homem. Ser homem, no pior sentido da palavra, revela uma criação caduca das coisas. É essa figura mandatĂłria e autoritária que pretende dominar o mundo e criar ferramentas de defesa contra seu maior obstáculo: o sentimento. O mundo ensinou o homem a nĂŁo perceber sua alma. "Homem nĂŁo chora!" Ă© um slogan que ecoa nas maternidades do planeta. Tudo Ă© masculino: o mundo, o judiciário e Deus. Nessa perspectiva, Ă© difĂcil para muitos perceber outra ideia de ser humano sem tais parâmetros deterministas. A poucos dias, discutia-se no curso de roteiro sobre o conceito de "corpo". O que Ă© isso? NĂŁo existe corpo masculino. A ideia de corpo Ă© a partir da ideia gerada pelo esteriĂłtipo da mulher como coisa. O corpo que estampa Ă© o corpo da mulher, porque Ă© esse o vocativo construĂdo. Ă€ mulher, apenas a "honrosa" vocação de ser uma peça complementar na engenhosa engrenagem que Ă© a vida. Essa falha crucial na determinação de sentidos nas coisas naturais provocou o surgimento de sociedades altamente perigosas fincadas em extremismos. Estabeleceu-se padrões, contratos, regras e leis que, na verdade, sĂŁo indizĂveis frente Ă s ideias libertárias que já circulam no submundo da existĂŞncia humana. Tais aspirações utĂłpicas levarĂŁo a Humanidade para a tentativa primária, e fracassada, da compreensĂŁo da realidade. O ser humano luta por sentido, e já sabe que a resposta nĂŁo existe. SĂłcrates Ă© invicto nessa premissa.
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Diante da complexa figura criada do homem, faz-se necessário despi-lo para convidá-lo, assim como na alegoria de PlatĂŁo, a enxergar que há luz alĂ©m de si. A contemporaneidade Ă© uma Era PossĂvel, cheia de energias transformadoras capazes de iluminar mentes viciadas. As lutas ideolĂłgicas continuarĂŁo, mas já se vislumbra uma necessidade global irreversĂvel: a construção de um novo convĂvio. É chegada a hora de reconstruir o homem e levá-lo a aspirar possibilidades mais criativas. Se o mundo foi criado por um homem, vĂŞ-se que tal modelo já caminha para o fracasso. Se a experiĂŞncia humana Ă© de reconstrução, certamente já Ă© possĂvel prever gerações mais conscientes, colaborativas e sustentáveis, mesmo em dinâmicas de conflito. A construção de novos arranjos, mesmo envoltos de vĂcios do passado - empreendedorismo, economia criativa, marketing do comportamento, coworking, produção de conteĂşdo e outros termos considerados "novos", na verdade, sĂŁo reestruturações na linguagem promovidas pelo poder econĂ´mico para prolongar a sobrevivĂŞncia do capital - já sinalizam para a formação de sociedades mais humanas. É bom lembrar que tudo começou quando a Revolução Industrial promoveu a cultura do encontro entre os agentes, fortalecendo a produção, a indĂşstria e o consumo. As novas tecnologias "sĂł" fortaleceram essa dinâmica como bem nos indicou o saudoso Bauman em suas obras lĂquidas. O homem será convidado a amar sem casamento, a transar com quantos desejar, a nĂŁo trabalhar, a nĂŁo votar, a nĂŁo matricular seus filhos em escolas, a ter uma fĂ© sem Deus e de se perceber mulher.
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É um convite. Mais sensĂvel, o novo homem terá a sua frente um mar de possibilidades, como diz a Palavra em DeuteronĂ´mio 30: "(...) ponho diante de ti a vida e a morte, a bĂŞnção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade". É estarrecedor perceber quanto a Humanidade falhou na defesa da vida. O diretor e roteirista Darren Aronofsky sempre teve em suas obras, uma fixação sobre a interferĂŞncia do religioso nas atividades humanas, mas nada supera seu Ăşltimo filme. "Mother!" Ă© uma obra corajosa, pois extrapola a linguagem cinematográfica. Para o homem sensĂvel, a mensagem de Darren Ă© muito clara e soa quase como um aviso: "Viu o que vocĂŞs fizeram?". Aronofsky faz um convite visual Ă Humanidade. Ao que parece ele nĂŁo foi compreendido, tendo em vista o fracasso de bilheteria. O Ăłbvio Ă s vezes Ă© um espanto. "Apesar de tudo, Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes, pois nĂŁo sabem o que estĂŁo fazendo!”, como consta em JoĂŁo 23. O desafio Ă© imenso, pois o retrocesso polĂtico, a desigualdade social e os medos estĂŁo instalados em todas as estruturas, entretanto, os muros tambĂ©m estĂŁo ruindo. Alguns pensadores, denominam que tais conflitos, sĂŁo na verdade, atritos entre Eras. Nos Ăşltimos anos, estudiosos estĂŁo se concentrando cada vez mais na relação entre ciĂŞncia e espiritualidade. Pra quem se debruça sobre a poesia, nĂŁo há muita dificuldade em entender a conexĂŁo, sem tratar, Ă© claro, das questões religiosas. Estuda-se, na verdade, a experiĂŞncia mĂstica, que será cada vez mais individual. O convite. A FĂsica Quântica já coloca em xeque as noções de realidade e matĂ©ria. Existe algo maior acima de tudo.
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Nessa parte, a lâmpada do quarto queimou. Talvez seja a hora de terminar. Em "Contos de MistĂ©rio e Imaginação", Allan Poe apresenta histĂłrias adubadas com temas bem humanos: morte, sedução, cobiça, poder, magia, medo e mistĂ©rio. É sobre tal pilar que a experiĂŞncia humana está fincada, e essa talvez seja a grande verdade. É diante das transformação do mundo, que o ser humano se transformará, agindo com mais compaixĂŁo, bondade e amor. O pensamento utĂłpico ainda vigora e seus frutos sĂŁo visĂveis. Se pela busca da verdade o homem provocou equĂvocos sem medida, a reparação pela via do amor Ă© a alternativa mais sensata para a sua sobrevivĂŞncia. Em a "Revolução do Amor", Luc Ferry apresenta alternativas viáveis ao elencar elementos para a ressignificação de sentidos. Num mundo assolado em erros, sĂł a busca por algo maior Ă© capaz de guiar os seres humanos para uma compreensĂŁo melhor do que somos. Se sĂł há mistĂ©rio, e bendito seja Deus por isso, o que resta a cada um Ă© amar. Eis o convite.
"Humanidade Ă© um sentimento de benevolĂŞncia por todos os homens que somente se inflama numa alma grande e sensĂvel. Esse nobre e sublime entusiasmo atormenta-se com os sofrimentos dos outros e a necessidade de aliviá-los; desejaria percorrer o universo para abolir a escravidĂŁo, a superstição, o vĂcio e o mal.
Ele esconde-nos os erros de nossos semelhantes ou nos impede de senti-los. Mas nos torna severos para com os crimes: arranca das mãos do celerado a arma que seria funesta ao homem de bem. O que ele faz não é nos afastar de elos particulares, mas, ao contrário, torna-nos amigos melhores, cidadãos melhores, esposos melhores. Ele se apraz em expandir-se pela benevolência em relação aos seres que a natureza aproximou de nós. Vi essa virtude, fonte de tantas outras, em muitas cabeças e em poucos corações".
Denis Diderot
FilĂłsofo
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