In A beleza natural das coisas Todos os dias o homem com terno alinhado e cabelo aparado com grafismos passa pelo mesmo caminho para ir ao trabalho. Observo de minha janela que anda de maneira a cronometrar seu tempo, como se tudo estivesse organizado numa agenda mental. Carrega consigo uma pasta preta e o dinheiro contado da passagem na mão para não ter que emperrar a catraca, pois tem medo escalafobético de ver as pessoas atrapalhando o fluxo das coisas. Tem um sorriso leve no rosto como se estivesse sendo fotografado para uma foto 3x4 para a segunda via de RG e seus dentes são alinhados e sempre brancos demais. Daqui da janela, posso ver um lenço no bolso direito de seu paletó, parece ter pequenas listras brancas destacando a marca famosa de lenços masculinos. Não faço propaganda de nada, não faço mesmo. O ônibus demora e o vejo inquieto, pois sabe que sexta feira é um dia complicado na ida para o centro, ainda mais com as obras no cais do porto... as ruas estão empoeiradas demais e os pontos de ônibus mudaram de lugar. Coisa horrorosa. Não avisam que vão fazer manutenção e ainda temos que andar um bom pedaço pra chegar ao local de trabalho. E tudo fica pior nesse tempo quente e abafado de verão. Minha vizinha do lado sempre diz que vai chover nesses dias, mas nunca chove, e vive dizendo que "a culpa é da menina do tempo que não sei o nome". Morro de rir com a Dona Frida mesmo sendo uma velhinha suja. Ela vive imunda pelo elevador para aparentar que é pobre, pois tem medo que alguém descubra as suas jóias e terrenos que aluga. Uma vez tive que subir 8 andares pelas escadas, pois não suportei o mau cheiro da senhora. Sua história até que daria uma bela peça de teatro. Morro de rir com o jeito truncado de ser dela. Parece louca, mas vive fazendo contas perfeitamente e comentando as novas decisões do STF. Apesar de ser fétida, gosto de conversar com ela e com isso tento suportar as dores do mundo. Na verdade, tenho pensado sobre isso nos últimos dias. Quantas oportunidades eu já não perdi só porque estavam disfarçadas de dificuldades, tropeços e misérias. Oh, vida mundana, vive me pregando peças. Me pregue antes que eu morra. E você aà deve estar se perguntando: e o tal homem engravatado? O homem se foi. Não deu pra saber o que aconteceu depois, porque não consigo levantar da cama. Ontem torci o pé e agora estou aqui escrevendo algumas histórias para ajudar a passar o tempo. Desculpe em desapontá-lo, mas metade do que escrevi é mentira. O homem não existe. Mas a velhinha sim e fede muito. A - ré - pendimento De todos os erros que cometi. Um sempre me faz tropeçar e cair. Ainda bem que caio. É o aviso do céu de que ainda Não estou perfeito. O dia que não levantar, Darei glórias a Deus! , by Jussan Silva e Silva
In Verdade Inconveniente SĂł uma verdade nos envolve: somos seres diferentes e trazemos em nĂłs um “cĂłdigo de barras” indecifrável e extremamente questionador ao passo de nos descobrimos a cada instante. PorĂ©m, mesmo dotados dessa caracterĂstica frutĂfera tenho a ligeira impressĂŁo de que nĂŁo sabemos desse artifĂcio poderoso que deveria ser tratado de maneira a potencializá-lo. Se as pessoas parassem um pouco para refletir sobre seus questionamentos internos e menos que isso, raciocinarem sobre suas riquezas, estariam criando uma cultura do pensamento, o que pouco se vĂŞ ultimamente. A maioria das doenças sociais Ă© de razĂŁo psicolĂłgica o que em tese, desembocaria numa crise da sensibilidade, bem ao nĂvel do que conversamos na semana passada. Tudo o que existe no mundo de certa forma foi absorvido e entendido pelo ser humano que a partir daĂ deu inĂcio ao processo de codificação das coisas e bens que temos hoje. Por isso, nĂŁo podemos exercer qualquer “prĂ© conceito” de nada do que nos circula, pois estamos em fase de descobertas. As diferenças culturais nĂŁo deveriam ser entendidas como um problema, mas sim riquezas que quando aproximadas representariam a descoberta real da nossa humanidade. PorĂ©m, mesmo vivendo numa realidade voltada para a praticidade e tĂ©cnica, seria razoável implicar com tamanha subjetividade? Ainda existe espaço diário para discursos existencialistas ou a oratĂłria sustentável já estaria viciada? Acredito que estamos nessa vida sendo testados para algo que de alguma forma estamos aguardando com certa ansiedade. Por isso que as imperfeições dos dias com todos os seus problemas sĂŁo de certa forma um “cursinho de vida” onde somos lapidados a cada ação. NĂŁo Ă© que devemos pautar nossas atitudes numa polĂtica de “nĂŁo reclamar de nada”, mas de uma aceitação voluntária de adaptação a fim de alcançar a chamada felicidade interior. Devemos apontar em nossos corações a aceitação de que as diferenças de realidades nos envolvem para uma direção inevitável: somos riquezas globais. Calendário Na roça, Gostava da quarta feira. Via tudo amarelo e sentia Cheiro de mexericas pelo ar. Depois que cheguei Ă cidade, Comi a tangerina E a quarta nĂŁo tinha mais cor. , by Jussan Silva e Silva
In A educação da sensibilidade NĂŁo Ă© de hoje que a sociedade sabe o trunfo que Ă© o sentido de uma verdadeira escola, mas esta por sua vez nĂŁo consegue atrair seus alunos. Numa mistura de conceitos, princĂpios e diretrizes a educação enfrenta seu maior desafio: reinventar-se numa Ă©poca de intensas transformações. O pior Ă© reconhecer que ao passo que a humanidade vence barreiras em plena era de novas tecnologias, verifica-se que muito se tem perdido na formação intelectual dos indivĂduos. Parece claro afirmar que o processo de aprendizagem, sobretudo no Brasil, demonstra competĂŞncia no ensino formal aplicando conceitos adequados quanto Ă tĂ©cnica, mas nesse sentido, existe um enorme vácuo de eficácia, ou seja, essa mesma educação nĂŁo gera uma sociedade sadia. DaĂ, estudiosos, cientistas sociais, professores, alunos, igrejas e toda sociedade vĂŞem na busca do estudo da sensibilidade a saĂda ideal para a formação plurilateral das pessoas. As brigas, os desentendimentos, o crescimento da violĂŞncia domĂ©stica demonstram que nĂŁo possuĂmos uma educação para os sentimentos e por isso encontramos “válvulas de escape” para nossas emoções mal fundamentadas. A plataforma de ensino aplicada pelo governo em suas polĂticas pĂşblicas Ă© ineficaz, pois nĂŁo representa os desejos e as expectativas reais de uma formação intelectual integral. A verdadeira educação está longe de ser alcançada se nossos profissionais continuarem a criarem uma “plataformização da cultura”, o que entendo como uma verdadeira aberração social. A educação nĂŁo segue nenhum ritual e nĂŁo pode encaixar-se num sistema mais ou menos adequado. Nossos profissionais talvez nĂŁo saibam reconhecer as riquezas existentes nas pessoas que estĂŁo sentadas nas cadeiras escolares em busca de um sentido de vida e nĂŁo de um diploma, mesmo que este personifique essa busca de ideal. Quando era criança ficava preocupado em aprender de tudo, como se tivesse a obrigação de saber todas Ă quelas matĂ©rias: cinco professores, cada qual com uma disciplina diferente e no entrar e sair de cada um apagava todas as informações para absorver outras. Um erro. Aprendi pouco depois que a palavra era somar, e nĂŁo tinha nada a ver com Matemática. Pessoas “intelectualmente-tecnicamente” formadas muitas vezes escrevem na testa o seguinte bordĂŁo “nĂŁo me comovo”. Isso Ă© de uma ignorância absurda, pois Ă© exatamente o contrário: a real educação passa obrigatoriamente pela interpretação das emoções, pois sĂł somos formados disso. Pessoas tĂ©cnicas demais sĂŁo muitas vezes, vazias e tristes, nĂŁo permitem que seus colegas sejam felizes e por isso nĂŁo conseguem amar. Na aventura em nos desbravarmos sentimentalmente Ă© preciso saber que nossa educação começa pela sensibilidade em reconhecer a nossa volta os sinais que a vida nos envia para criarmos o perfil ou a identidade que nos conecta com a realidade. O filĂłsofo francĂŞs Gaston Bachelard tem um texto que diz que somos uma civilização ocular. Trabalhos e conhecemos o mundo atravĂ©s dos olhos, mas vou alĂ©m; a busca pela educação como forma de aperfeiçoamento humano começa com os olhos da alma. É ela que traduz a nossa vontade interior de formar uma geração onde a educação nĂŁo seja apenas tĂ©cnica, mas sim ferramenta de felicidade. Tabuada No caminho pra escola Comprava um joelho de presunto e queijo E um real de balas de iogurte. Dividia por todos da turma e No final do recreio sĂł restava o desejo De viver tudo outra vez. , by Jussan Silva e Silva