A beleza natural das coisas

fevereiro 17, 2012

Todos os dias o homem com terno alinhado e cabelo aparado com grafismos passa pelo mesmo caminho para ir ao trabalho. Observo de minha janela que anda de maneira a cronometrar seu tempo, como se tudo estivesse organizado numa agenda mental. Carrega consigo uma pasta preta e o dinheiro contado da passagem na mão para não ter que emperrar a catraca, pois tem medo escalafobético de ver as pessoas atrapalhando o fluxo das coisas. Tem um sorriso leve no rosto como se estivesse sendo fotografado para uma foto 3x4 para a segunda via de RG e seus dentes são alinhados e sempre brancos demais. Daqui da janela, posso ver um lenço no bolso direito de seu paletó, parece ter pequenas listras brancas destacando a marca famosa de lenços masculinos. Não faço propaganda de nada, não faço mesmo. O ônibus demora e o vejo inquieto, pois sabe que sexta feira é um dia complicado na ida para o centro, ainda mais com as obras no cais do porto... as ruas estão  empoeiradas demais e os pontos de ônibus mudaram de lugar. Coisa horrorosa. Não avisam que vão fazer manutenção e ainda temos que andar um bom pedaço pra chegar ao local de trabalho. E tudo fica pior nesse tempo quente e abafado de verão. Minha vizinha do lado sempre diz que vai chover nesses dias, mas nunca chove, e vive dizendo que "a culpa é da menina do tempo que não sei o nome". Morro de rir com a Dona Frida mesmo sendo uma velhinha suja. Ela vive imunda pelo elevador para aparentar que é pobre, pois tem medo que alguém descubra as suas jóias e terrenos que aluga. Uma vez tive que subir 8 andares pelas escadas, pois não suportei o mau cheiro da senhora. Sua história até que daria uma bela peça de teatro. Morro de rir com o jeito truncado de ser dela. Parece louca, mas vive fazendo contas perfeitamente e comentando as novas decisões do STF. Apesar de ser fétida, gosto de conversar com ela e com isso tento suportar as dores do mundo. Na verdade, tenho pensado sobre isso nos últimos dias. Quantas oportunidades eu já não perdi só porque estavam disfarçadas de dificuldades, tropeços e misérias. Oh, vida mundana, vive me pregando peças. Me pregue antes que eu morra. E você aí deve estar se perguntando: e o tal homem engravatado? O homem se foi. Não deu pra saber o que aconteceu depois, porque não consigo levantar da cama. Ontem torci o pé e agora estou aqui escrevendo algumas histórias para ajudar a passar o tempo. Desculpe em desapontá-lo, mas metade do que escrevi é mentira. O homem não existe. Mas a velhinha sim e fede muito.

A - ré - pendimento

De todos os erros que cometi. 
Um sempre me faz tropeçar e cair. 
Ainda bem que caio.
 É o aviso do céu de que ainda 
Não estou perfeito. 
O dia que não levantar, 
Darei glórias a Deus! 


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