A arte e o tempo

março 02, 2012


Uma criança nasce e já sofre de uma dor que todos os que a estavam esperando se angustiam com a mesma intensidade: a dor do tempo. Mal saiu das estranhas mais poéticas e começa a chorar concluindo que o que a aguarda é algo bem mais estranho do que imagina sua ainda virgem imaginação.
Todos nós, detemos dessa aflição irreparável que é o sofrimento de perder momentos, fases, encontros, dias, meses e horas sem nem saber o motivo. Só sabemos que precisamos ir e que algo nos empurra para algum lugar. A criança chora querendo saber o motivo de tanta pressa e a mãe logo oferece uma mamadeira requentada no microondas. Ela não queria leite, a coitada queria sentido.
Mas a pobre da mãe nem sabe o que é isso, pois só aprendeu à base das chineladas de havaianas azuis, das mais feias se possível:
- É para marcar o corpo mesmo! Dizia a mãe da mãe que um dia também foi espancada.
A criança, a mãe, a vó, eu e você buscamos esse desejo de eternidade que só tem uma saída: a arte. Essa coisa imagética, bela e estranha que nos remete a algo bem mais superior do que imaginamos, é a única ferramenta que retêm  o sentimento daquele tal momento que um dia vi, vivenciei, senti, compartilhei e guardei na memória.
A arte segura o tempo. É por isso que não me canso de ver e rever o mesmo quadro “Campos de Tulipas” de Monet. É como se uma grande colcha de fuxicos coloridos estivesse cobrindo o horizonte, do qual meus olhos não podem alcançar.
A arte, a poesia não segurou só o tempo pra mim, mas, sobretudo, as lembranças, o cheiro, e o carinho de uma vida cheia de sentido. Se antes a criança chorava querendo saber de onde veio e para aonde vai, hoje ela só quer olhar por horas sem piscar para os olhos famintos de amor de sua mãe, enquanto suga no peito da amada mulher, o sonho de viver cheio daquilo que realmente importa: a essência, o cheiro e a cor. E aí, o tempo perde tempo.

A bronca

- Não sobe aí menino!
Ressoa pelos cantos o grito da mãe
cheia de atenção e zelo.
- Ah mãe, me deixa!
Rebate o filhote independente.
O galho quebra e ele cai.
Do alto do pé de acerola a mãe observa e diz:
- Não sabe voar, não desça do ninho. 

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