Roteiro e a arte de esperar

dezembro 10, 2017

Foto: João Augusto
Durante uma das aulas do curso “Lab.Avançado de Roteiro” do Telezoom, ministrado pelo mestre Audemir Leuzinger, foi levantada uma questão digna de debate: por que os filmes brasileiros não utilizam as ferramentas clássicas de montagem e os cortes criativos, tão usados no cinema? Vsevold Pudovkin, teórico e cineasta russo, criou na década de 1920 cinco técnicas de montagem cinematográfica que estão à disposição dos roteiristas e diretores até hoje! São elas: contraste, paralelismo, simbolismo, simultaneidade e leitmotiv. A aula foi recheada de análises visuais, principalmente de séries como a tão celebrada “Stranger Things” da Netflix. Também foi analisado o conteúdo nacional e para choque da turma a constatação surgiu: as obras produzidas no Brasil não aprofundaram as suas narrativas utilizando as tais técnicas.

“Se consegui ver mais longe, foi porque subi nos ombros de gigantes”
Isaac Newton

Como competir com as séries globais? Como desenvolver histórias que viajam, sem antes levar as ferramentas básicas na bagagem? Foi uma análise dura, mas necessária. Se antes a audiência estava de alguma maneira centralizada em determinados agentes da comunicação, hoje com tantas possibilidades, literalmente à mão, as produções precisam estar muito bem afinadas com o momento do mundo. No debate acalorado, como sempre, propunha-se respostas para a defasagem dos filmes nacionais. Seriam os resquícios do “Cinema Novo”, a produção em série das comédias brasileiras, a falta de bons diretores ou a lista frágil de referências da produção executiva? Produzir qualquer obra de arte requer conhecimento prévio e uma alma interessante. Se “não há nada de novo abaixo do Sol” e se, segunda a mímeses, o que existe é uma reprodução do que já existiu, não seria oportuno afirmar que bastava os filmes brasileiros seguirem as fontes da estrutura e da linguagem cinematográfica?  Bom, caso seja a ideia do Brasil produzir filmes só para o consumo interno, a estratégia tem funcionado bem. Infelizmente, divide-se o país em “cinema brasileiro”, “cinema de arte”, “cimema experimental”, “cinema de bilheteria”, “cinema de festivais” e pouco se fala no compromisso com a narrativa, na boa condução da história e na volorização do roteirista. Com o avanço do mercado audiovisual no Brasil é preciso respeitar o processo. Uma boa história não nasce de um dia para o outro; exige trabalho, estudo, qualificação, pesquisa e tempo.

“Sans Attendre” – Esperar não é um verbo que pertence à contemporainedade. É difícil imaginar a realidade atual respeitando valores tão litúrgicos. Na beleza da contemplação do mistério do tempo é possível reconhecer um fruto maduro.
                                                                                                     Jussan 

A fragilidade das produções audiovisuais brasileiras se dá num ponto mais amplo por conta da falta de uma cultura de valorização da leitura. Não há outra forma de construir bons filmes senão pela via do encontro com o livro. É pela leitura, pela escrita e pela dedicação ao estudo que uma nação se fortalece criativamente. É um processo que deveria servir de inspiração aos escritores e roteiristas brasileiros. Na Islândia, as pessoas trocam livros no Natal e em Buenos Aires, seus habitantes visitam as mais de 700 livrarias espalhadas pela cidade. Enquanto isso, no Brasil, os filmes de comédia já não emplacam mais como antes. Os filmes argentinos, mexicanos e espanhois estão conquistando o mundo com propostas cinematográficas carregadas, inclusive, de paralelismos bem interessantes. É o que ocorre no filme “Um Contratempo” de Oriol Paulo, disponível na Netflix.

É um processo e um desafio. A atual geração, dotada de tendo saberes, não sabe compreender o mundo, e isso se revelará na tela. É preciso levar em consideração que apenas 8% dos brasileiros dominam a língua culta. Os equívocos não são exclusividade dos filmes. Luan Santana lançou recentemente uma música chamada “Check-in”. Parte do refrão, óbvio, diz:  “Deus fez a mulher de uma costela do Adão, quando fez você, fez do filé mignon”.


“Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar”
Machado de Assis

Frei Betto no recente livro “A arte de escrever” diz que “escrever um bom romance exige vivência, cultura e, como os vinhos de qualidade, maturação”. Não parece ser um pré requisito para os escritores, roteiristas e poetas atuais. Num perfil no Instagram, um jovem de 20 anos possui mais de 600 mil seguidores. Na conta, fotos segurando o queixo, o joelho e o cotovelo, além de outras tomando café, digitando ou andando pelas ruas. Kéfera, youtuber com mais de 10 milhões de seguidores na plataforma, já escreveu dois livros. Os dois, recheados de imagens e em letras garrafais. Sem dúvida, vive-se na “Era da Imagem”. A palavra escrita vem sendo substituída pela imagem, pelos Gif’s e pelos emoji’s. O encurtamento das palavras já é uma realidade. Hoje, pouco se escreve. Entretanto, como criar séries e filmes sem o contato com a escrita?  A cultura brasileira está baseada fortemente pela educação da via oral. Ler era um privilégio. As contações de histórias se deram pelos ritos religiosos, pelo teatro, circo, rádio e principalmente pelas novelas. Não se quer aqui, valorar a cultura do outro e desvalorizar a materna. O que é preciso resgatar é a reflexão sobre a complexidade.  Jânio de Freitas, grande jornalista brasileiro escreveu um texto obrigatório que reflete as contradições políticas do país, mas que corrobora no processo de desenvolvimento das histórias e ajuda a compreender um dos eixos que explica a dificuldade de criá-las.

“É difícil desenvolver a compreensão desse país, tão inculto, tão maculado, tão controvertido”.

Os grandes poetas e pensadores percorreram a mesma trajetória: trabalho, estudo,  dedicação e renúncia. Num país que não desenvolve uma pasta sólida para a cultura, soma-se aos elementos anteriores a esperança. É preciso reconhecer que para escrever, produzir, filmar, cantar, dançar... não basta apenas o talento, mas a insistência e o autoconhecimento muito bem definido. Na sociedade do espetáculo, parece utopia afirmar que o silêncio faz-se necessário entre os pensantes. Em “Grandes Sertões Veredas” de Guimarães Rosa, a palavra “nonada” surge seis vezes no texto clássico. É a soma de “não” e “nada” referência a algo desimportante, mas que provoca um convite à contemplação. Escrever demanda respeito ao tempo. Segundo pesquisa, é aos 29 anos que autores brasileiros lançam os seus livros. Isso demonstra a necessidade vital da obra maturar antes de se lançar no mundo. Para escrever um bom roteiro é preciso valorizar o tempo, e é bom afimar que em muitas vezes, os silêncios falam mais que as palavras. Em “Moonlight” é possível ver essa regra. Em plena ascensão do mercado audiovisual brasileiro, muitos se dizem roteiristas. É importante ressaltar que em roteiro, não basta dizer e sim revelar na escrita, a mesma transfiguração ocorrida por Jesus. A palavra precisa transformar-se em emoção e isso só ocorre quando o roteirista domina as ferramentas e respeita a si mesmo.  

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