Roteiro e Bridget Riley

janeiro 14, 2018


São muitas as angústias de quem vive de arte. Há dias em que o peso das contas a pagar caem sobre os ombros e postergam os sonhos e projetos.  Eis um conflito eterno: o artista sempre será mal compreendido. Todo produtor, músico, pintor ou artesão sabe bem o que é enfrentar as dificuldades de se fazer compreender ao apresentar o seu trabalho e o seu valor. Certo arquiteto recebeu uma mensagem de um possível cliente dizendo que não contrataria mais o trabalho que havia encomendado, pois “arranjou” uma amiga que faria o mesmo serviço gratuitamente. “Sabe como é, né?” disse o ex cliente. Após uma longa reunião a equipe de um filme deliberou as funções para cada integrante e como não havia recursos para a formatação do projeto, todos trabalhariam dentro do curto prazo estipulado. Prestes a encerrar o tempo, certa produtora procura o produtor para que a ajudasse a escrever a sua parte, pois (insira aqui qualquer desculpa esfarrapada). Após a apresentação de seu argumento, o roteirista iniciante recebeu a mensagem da distribuidora: “(...) a história é densa e fria demais”. O roteirista riu e se perguntou: “Será que eu mandei uma receita de sorvete?”. 

“A imaginação é positivamente aparentada com o infinito”.
Charles Baudelaire

Na tristeza de um Rio de Janeiro em crise e de amigos cinematográficos repensando as diversas realidades profissionais, certo produtor recebeu uma mensagem no Instagram. É um print de uma cena do filme “O Estado das Coisas” (Stand der Dinge, Der, 1982) de Wim Wenders. Na imagem, o diálogo dizia que a vida é colorida, mas em preto e branco é mais realista. No filme, essa escolha estética definiu o conflito entre o produtor independente e o mercado americano. Assista! Quem assistiria um filme em preto e branco de um diretor alemão iniciante? A história do filme é bem atual, pois apresenta a melancolia de uma equipe desgastada à espera de dinheiro para seguir com as gravações. O filme apresenta, dentre outras questões, o processo de criação cinematográfica revelando principalmente o passo a passo da interrupção de uma filmagem. Em “O Estado das Coisas” há uma dura crítica ao cinema americano e uma visão fúnebre ao cinema autoral.

“É curioso como as cores do mundo real parecem muito mais reais quando vistas no cinema”.
Laranja Mêcanica

É preciso crer nas utopias. Após a veiculação do trailler do filme “Um lugar silencioso” de John Krasinski a ser lançado ainda neste ano, os comentários nas redes sociais foram de desaprovação pelo fato do trailler ser “silencioso demais”. Ora, o silêncio tal como o som são verdadeiros personagens na construção cinematográfica.  Em “Os Outros”a luz era um personagem que surgiu apenas no momento final do filme. Um personagem importante que dá tom, ritmo e profundidade à história. Nenhum desses elementos é inserido à toa. É o que “O Estado das Coisas” afirma tanto. Será que a produção americana está engolindo as esperanças do cinema independente ao doutrinar o olhar dos espectadores? É o que pensa a atriz e diretora Jodie Foster, atual diretora do episódio “Arkangel” da série “Black Mirror” da Netflix.  Segundo ela, “os estúdios de Hollywood estão fazendo conteúdos ruins para atingir as massas e fazer dinheiro, e isso lhes garante o melhor retorno financeiro, mas causa a quebra do cinema. (…) Isso está arruinando os hábitos de consumo (do cinema) da população americana e consequentemente o resto do mundo.” É algo a se pensar.  Discutia-se recentemente na internet sobre os episódios da nova temporada de “Black Mirror”. “Metalhead”, todo em preto e branco, foi amplamente criticado e dito como arrastado. Mas muitos dos curtas e filmes brasileiros também não são? Se não há espaço para o cinema autoral nas salas de cinema, onde os filmes serão distribuídos? Esse episódio da série, com referências como “O Exterminador do Futuro”, “BladRunner”, “RoboCop” e afins não seria um conteúdo autoral? Aliás, qual seria o gueto da produção independente senão a internet? Ainda é possível entender a internet como um terceiro mundo?

“A maior felicidade é quando a pessoa sabe porque é que é infeliz”.
Dostoiévski


Tudo em preto e branco. Bridget Riley é uma pintora inglesa considerada uma das criadoras do movimento Op art. No início de carreira, Bridget não se sentia completa com as suas obras. Pintava, mas sem a plenitude. Suas obras não a elevavam. Foi se autoanalisando que a artista percebeu que precisava retirar o que considerava mais importante: as cores. A partir de então, Riley começou a produzir todas as suas peças em preto e branco e desde então é reconhecida por participar da criação de um novo movimento artístico. É preciso olhar os mestres e “roubar como um artista”. Hoje, o artista é convidado a deixar algo importante para trás. Qual seria a experiência dolorosa a ser feita pelo artista nos dias atuais? 

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