A Igreja Católica de volta às bases
março 20, 2019
Na foto, lembranças da minha atuação na Pastoral da Juventude e no Conselho Municipal de Juventude de Muqui |
No ano em que Jair Bolsonaro
assume o poder como Presidente do Brasil, a Igreja Católica lança a sua Campanha
da Fraternidade com o tema “Fraternidade e Políticas Públicas”. No início de
fevereiro, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) liderado pelo Ministro
Chefe Augusto Heleno declarou que o trabalho da Igreja em defender a situação
da Amazônia é “preocupante”. Segundo
informações veiculadas à época, escritórios da Agência Brasileira de
Inteligência estão sendo mobilizados para acompanhar reuniões e eventos
católicos em paróquias e dioceses. A ideia é evitar críticas ao governo e neutralizar
ações progressistas entendidas como “uma agenda de esquerda”.
As declarações repercutiram de
forma negativa. Bolsonaro está preocupado com os movimentos católicos, pois foi
nesse campo social que o PT surgiu. O Partido dos Trabalhadores nasceu sob os
clamores populares, sobretudo entre os sindicais, presentes nas primeiras
Comunidades Eclesiais de Base. Também denominadas como “Igreja Viva” ou “Igreja
em Saída”, as CEB’s surgiram após o Concílio Vaticano II, reforma promovida
pela Igreja no ano de 1961. A Igreja Católica sentiu a necessidade de se
transformar em virtude das mudanças culturais advindas com o século XIX e XX. O
objetivo do Concílio era que a Igreja fosse direcionada aos mais pobres. Essa
dimensão social repercutiu intensamente na sociedade brasileira de 1961 a 1965,
período do Concílio, a ponto de nascerem movimentos de articulação política. A
prática religiosa está ligada com a prática política. Tanto um campo quanto o
outro visam o bem comum. Entretanto, é sabido que as corrupções humanas infectam as boas intenções. Quando os interesses das ideologias
surgem, a política no seu melhor sentido sai de cena e a politicagem entra. Foi
assim que se deu com a dita “bancada evangélica” ao inserir um muro moralista
no debate legislativo. A maioria das pautas defendidas pelos evangélicos trata de questões ideológicas e
do ponto de vista da religião e não do interesse social. A Igreja Católica,
mesmo com contaminações ideológicas, sempre se posicionou de maneira ampla,
democrática e pautando uma reflexão à luz do Evangelho. Os temas levantados
pela Igreja e que serão debatidos ao longo do ano de 2019 se tornam um
obstáculo na agenda liberal de Bolsonaro. A retomada da Campanha do
Desarmamento, a proteção da Amazônia e dos povos indígenas são questões
críticas ao governo e que não se confundem com um posicionamento “esquerdista”,
como muitos dizem.
Imagem de internet propõe uma educação mais ampla e social |
Há uma dificuldade de compreensão
por parte da sociedade brasileira acerca do conceito de direito difuso, àquele
que compreende toda a Humanidade. Proteger a água, o solo, o ar, o mar, a flora
e fauna não são prerrogativas partidárias e sim, humanas. É pelo bem de todos.
E quando um governo não enxerga essa realidade primária, perde as condições de
governar democraticamente. Qualquer líder político deve estar aberto ao mais
amplo debate. É o que costumo denominar
de “dimensão neutra”, ou seja, o agente executivo deve propor a defesa de todas
as vozes possíveis para que o interesse público seja contemplado. De certa
forma, essa dimensão neutra pode ser aplicada à religião no caso específico da
Campanha da Fraternidade apresentada pelos católicos. Nela, a fé sem Deus¹ é
mais virtuosa do que a prática católica. Nos textos apresentados pela
Igreja é defendido o olhar plural e até
a atuação entre os não católicos. Portanto, é esse o mesmo entendimento da
prática política: o bem social deve ser elevado como interesse máximo,
construído através da participação popular por meio de conselhos, reuniões de
bairro, associações, grupos socioculturais e demais atores.
A Campanha surge num novo momento
social onde as comunidades em redes se articulam a todo instante. Agora, por
conexões presenciais e virtuais, as pessoas debatem, vigiam e constroem narrativas
de muitas e complexas maneiras. A Igreja, assustada com a ideia do avanço de um projeto geopolítico das fake news, propõe um trabalho amplo nas bases sociais e
na ação pastoral. Desse modo, os movimentos, as reuniões, celebrações e
projetos de evangelização devem se posicionar nas pequenas comunidades, afim de
que a consciência coletiva em prol dos direitos humanos seja cultivada. Portanto, práticas de educação popular devem se
propagar ao máximo pelo país. Com informação as pessoas poderão participar do
processo de construção de políticas públicas. Saberão como acompanhar seus
representantes locais e criarão meios de interferência no processo decisório,
maior entrave da democracia contemporânea. Em Muqui, cidade localizada ao sul
do Espírito Santo, tenho promovido oficinas de teatro, canto e música para
aproximar os conceitos da cultura ao dia a dia da população. Nas comunidades
rurais serão oferecidas oficinas populares de direitos humanos ao decorrer do
ano. Com intuito de irradiar capacitação aos que nunca tiveram a oportunidade
de discutir o tema, as aulas serão promovidas em parceria com a Paróquia São
João Batista e o conteúdo será facilitado por jovens advogados, assistentes
sociais e militantes dos direitos humanos. Os encontros terão uma visão transdisciplinar
dando destaque aos rebatimentos entre direito e cultura. O objetivo é claro:
difundir a consciência coletiva e a reflexão crítica.
Um dos livros mais importantes para entender a formação econômica do Brasil |
Letra e Música da Campanha da Fraternidade 2019:
Notas:
1 – O pensador francês Luc Ferry
apresenta em suas obras o conceito de espiritualidade laica.
2 – O principal documento do
Concílio Vaticano II, o “Gaudium et spes”, está disponível em português no
link: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html
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