Da obrigatoriedade de ser feliz

março 05, 2019



É segunda de carnaval e todos estão na rua. Menos eu. Já é quase meia noite e o quarto ainda está quente. O ventilador sopra do meu lado esquerdo e escrevo em frente à parede. Não há aqui nada que possa me dispersar da única tentativa: ouvir a mensagem. Durante muitos anos achei que poderia esperar o melhor momento. Até que um dia percebi que o tempo não existe e que só há uma chance. Algo me diz que essas palavras podem dar uma boa música. A conferir num futuro próximo.  Há anos atrás tinha vontade de criar uma banda. À época, quando beijava meninos às escondidas, criei até o nome: “Água de Torneira”. Insiro as aspas por um motivo muito simples. Pra mim, tudo o que vem de algum lugar, no campo espiritual, não me pertence. A criação, aqui, não me parece bem uma criação de fato, mas uma co criação. Eu, na minha pobreza da carne, sou apenas um instrumento de uma mensagem que o Ser Maior deseja revelar. Bom, mas a minha inquietação ao escrever esse texto é sobre essa angústia que paira nos meus dias a respeito da necessidade de sorrir, estar feliz, realizado e socialmente aceito. Há quem diga que tudo isso não passa de uma grande bobagem. Eu também considerava essa hipótese por muito tempo, apesar de não revelá-la externamente.


Veja bem, os últimos dias têm sido extremamente difíceis para mim. Questionamentos profundos me fizeram silenciar e apesar disso, considero com muita atenção a possibilidade de fazer movimentos transgressores na minha existência. Numa recente discussão familiar, abri feridas que ainda estavam curando.  Um dos meus grandes desafios sempre foi esse; sair do controle da situação. Não podemos ter o domínio sob as coisas. Prender essas energias é algo profundamente doloroso, e só se sabe que dói quando a cortina do ego cai. Céus! É uma puta revelação. Daí o eu que se estabeleceu até ali se manifesta como o desvio da caminhada. No encontro com as minhas próprias podridões, o sujeito real se revela. A grande questão, pra mim, foi reconhecer a necessidade de enfrentar os monstros que estavam ali, no quarto, prontos para a longa e franca conversa.

A grande dor revelada foi dizer que me sentia e sempre me senti triste. E quero apenas reafirmar o que senti: a sensação positiva de dizer que não posso mais oferecer o sorriso de sempre. O esforço em estabelecer essa armadura pesa e pesou sob os meus ombros durante muitos anos, e talvez quando tiver maturidade na escrita, revele em algum livro o que aconteceu na minha cabeça nesse encontro tenebroso, mas milagroso. O fato é que depois disso, não posso mais fingir o que não sou. Não há a mínima possibilidade de repetição do erro até porque estou cansado. Emocionalmente cansado.

O bom nisso tudo é revelar com sinceridade que não vejo mais sentido em postar fotos no Instagram e ir aos lugares que todos vão só porque todos vão. Aceitar que a dor é um combustível criativo está me fazendo muito bem. Não há prazer maior nesse momento da vida, beirando os 30 anos de idade, em renegar os convites para sair desse quarto quente. Gosto de estar como assim: como um adolescente refugiado, lidando com papéis velhos, ouvindo músicas melosas e tentando me encontrar. São quase duas da manhã e já estou com sono. Apago a luz. É hora de dormir e os foliões já estão voltando do Carnaval. Da cama, ouço gargalhadas e garrafas quebrando. Rezaria uma missa em latim para descobrir quem está mais feliz, eles ou eu.



Notas:
1 – Resolvi escrever esse texto depois de ler o livro “O poder do sentido” de Emily Esfahani Smith.

2 – Tenho ouvido muito o novo álbum de Ariana Grande e a faixa “Fake Smile” é uma das minhas favoritas. Na introdução, há uma letra dolorosa da música “After Laughter” cantada por Wendy René que ilustra esse texto.
  
3 – Por minha vontade, postava o texto agora e pronto. Entretanto, algo me disse para esperar. Amém e até amanhã.

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